Sebastião Coana e a arte que transforma lugares

O trabalho artístico de de Sebastião Coana foi reconhecido pela Divine Academia Francesa de Artes, Letras e Cultura | Foto: Izidro Dimande

Andando pelas avenidas de Maputo e um pouco por algumas cidades deste vasto Moçambique, há paredes que se destacam em relação à maioria, por revelarem uma paleta de cores vibrante, e representações simbólicas que contam histórias ou convocam a alegria e identidades. Essas paredes, sejam vedações de mercados e escolas ou fachadas de edifícios, até mesmo em degraus de escadarias, como acontece na capital do país, são telas onde se faz a arte e o discurso social de Sebastião Coana.

No centro da cidade de Maputo está um mercado popular, onde trabalhadores de diversos ramos e classes se cruzam para passar as refeições à hora do almoço. Esse espaço que está nas adjacências de um dos monumentos mais imponentes do país, a gigantesca Estátua do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel, na Praça da Independência, carrega o peso de alimentar sobretudo a máquina da economia formal e informal e, talvez por isso, lhe assente o nome: Mercado do Povo. Ali a obra que se destaca de Sebastião Coana e, talvez, ideal para a contemplação e deleite na pausa do meio-dia e o recarregar das energias.

“Veja-se o ambiente em que está essa obra. No meio de uma zona histórica: o edifício do Conselho Municipal, a Casa de Ferro, o Museu Nacional de Arte, temos ali dois centros culturais, a Rádio Moçambique, etc. No meio daquilo trouxe arte contemporânea que vai acender em si, mas com cores que põe as pessoas numa terapia de cores, porque grande parte dessas pessoas que por ali anda está concentrada ou stressada porque saem de escritórios. Então criei uma terapia de cores que possa distrair-lhes, mas atraindo-os para a obra. É quase com o mesmo efeito nas escadarias de Maxaquene.”

 

Fachada do Mercado do Povo, em Maputo | Foto: DR

 

E já lá vamos às escadarias que ligam a baixa à zona do Museu. Antes descemos mais ainda pela cidade. Fazendo o percurso pela Avenida Samora Machel, para a zona baixa da cidade, entrando em direcção à Rua de Bagamoyo e Consiglieri Pedroso, os edifícios antigos foram renovados ou reavivados com os pinceis e as cores alegres do artista. E nelas estão também histórias de gentes que fazem contas à vida, lidando com o peso das mazelas e procurando um caminho distante da delinquência ou do perigo.

“Ninguém queria andar por aquelas ruas. Mas depois das pinturas as pessoas passaram a frequentar para fazer fotos, os músicos fizeram vários vídeos de uma qualidade internacional naqueles murais. Então, a valorização estética dessas ruas foi tão grande que chamou o turismo para lá. É uma conquista, uma sensação de ter feito algo que as pessoas se beneficiam.” Disse Coana, sobre o seu trabalho na famosa “zona quente”, centro de bares, cabarés e onde faz-se o negócio de sexo.

 

Nas escadarias de Maxaquene, está, a cor rosa a reluzir na penumbra | Foto: DR

 

Pode se seguir pela Avenida 25 de Setembro rumo às famosas barreiras de Maxaquene, a nova zona nobre de Maputo, onde estão os edifícios JAT e as cedes de grandes empresas, da telefonia à banca, até às embaixadas e petrolíferas. Mas o que lá nos leva é o trabalho artístico que transformou um lugar inóspito, de aparência abandonada, cotado com o perigo relatado de assaltos e outro tipo de violência, mas que é uma via importante de ligação imediata entre a zona baixa e alta da capital. Nas escadarias de Maxaquene, está, entre os degraus, a cor rosa a reluzir na penumbra, dando uma outra vida, confiança e estilo aos “peregrinos”. É caso para dizer que, mais do que um discurso, ali está a prova de que a arte transforma.

Recentemente, concretamente em Outubro, a arte de Sebastião Coana foi condecorado pela Divine Academia Francesa de Artes, Letras e Cultura, pelo seu trabalho “com as crianças, mulheres e jovens de rua em Moçambique, através da arte de pintar”.

Antes mesmo dessa condecoração, Coana já havia definido as suas metas, enquanto actor social. “Penso para além de Sebastião Coana. Sou sim o mentor, mas a minha causa é envolver os jovens, dar-lhes um ofício que pode servir como fonte de renda e que tenham as suas vidas no bom caminho. Transmitir o meu conhecimento para que eles possam melhorar as suas vidas, mas também transformar as comunidades onde vivem. Estamos a falar, por exemplo de pintura de murais, mas para fazer um mural preciso de envolver outros.” Esses outros, afirma Coana, são os jovens sem obrigo ou em situação de vida vulnerável devido a extrema pobreza, para não só envolve-los em algo grandioso, como de resto para si ponde importar pouco devido a sua condição, mas para capacitá-los, dando-lhes uma profissão – a de pintor – ou então envolve-los em outros projectos de pintura que surjam.

Hoje o trabalho de Sebastião Coana tem a cara de Moçambique e vai percorrendo mais zonas, de Maputo ao Rovuma enquanto, em paralelo, segue o trabalho artístico em telas que alcança o mundo.

 

Por Eduardo Quive