“Não há desenvolvimento sem sustentabilidade” - entrevista a Ricardo Pereira

Ricardo Pereira - Presidente da Associação Moçambicana de Energias Renováveis ​​| Foto: EQ/Mozavibe

 

O mundo vive momentos de crise. E o clima é uma das preocupações que colocam as nações em ponto de igualdade. A crise climática não discrimina, nem tem fronteiras. Todos são afetados. A diferença está na forma como cada um procura reagir aos problemas e dar resposta que atenua a situação. Mas a resposta tem de ser coordenada, global de modo que surta algum efeito. É a volta disso que conversamos com o presidente da Associação Moçambicana de Energias Renováveis ​​(AMER), Ricardo Pereira, após a terceira conferência Renováveis ​​em Moçambique, realizada em parceria com a ALER (Associação Lusófona de Energias Renováveis) e financiada pela União Europeia e, República Federal da Alemanha. No topo da agenda estão as empresas que estão na linha da frente da exploração desses recursos extraídos da natureza, sem feri-la, tampouco comprometendo o futuro do planeta. Esta conferência, por ser empresarial, naturalmente que foca nas soluções de financiamento e no quadro legal de um setor novo e com uma dinâmica que precisa de um entendimento especializado, mas é sobre a ideia de desenvolvimento sustentável em que se assenta a matriz da causa. Afinal, grande parte dessa energia tem sido uma solução para a eletrificação rural, permitindo que milhões de moçambicanos se conectem com o mundo e todas as outras possibilidades que a partir daí se abrem, incluindo o acesso à informação. É esse por exemplo, um dos focos, dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável que apontam para 2030, ano em que toda a população tem de ter acesso à energia.

Nesta entrevista Ricardo Pereira fala do caminho e da vida das empresas que operam em Moçambique no ramo das energias renováveis ​​e todo o potencial que existe tendo em conta a ideia de Desenvolvimento versus Sustentabilidade.

 

Mozavibe (M) : Terminando a Conferência Renováveis ​​em Moçambique, o que de novo aconteceu nesta, em relação às duas passadas?

Ricardo Pereira (RP) : Nesta terceira Conferência Empresarial das Renováveis ​​em Moçambique, o objectivo foi ir mais a fundo na questão dos investimentos. E como ela veio na sequência de um grande evento, o Fórum de Investimento “Global Gateway” Moçambique – União Europeia, no qual houve um dia inteiro dedicado às energias, mantivemos obviamente a parte regulatória porque 2023 foi um ano muito importante na indústria . O Governo fez uma apresentação na conferência sobre essa temática. As sessões que chamamos “Investment Piching” em colaboração com o programa GET Invest, Brilho/SNV e Catalyst Energy Advisors onde 12 empresas que participaram participaram cada uma 4 minutos para se apresentarem perante 17 investidores. Foi muito bom porque não conseguiu só dar exposição às empresas locais aos investidores nacionais, incluindo a banca, e internacionais bem como garantir uma mais-valia para os próprios investidores que normalmente não tinham a disponibilidade para ouvir tantas oportunidades seguidas e estruturadas. uma boa resposta, por exemplo, por parte dos bancos nacionais porque eles normalmente não tiveram esse tipo de experiências, e já nos estão a pedir para fazermos mais sessões desse tipo. Na conferência em si demos também uma prioridade às questões tangíveis, isto é, os programas apresentados foram apenas os que se encontram abertos e disponíveis para receber candidaturas das empresas no imediato. A nossa visão foi que quem esteve na plateia poderia sair com o sentimento de ter percebido tudo o que aconteceu a nível legislativo, a nível das notícias e depois saberem como se dirigir perante os concursos, ir em busca de financiamento e apoio técnico. Mais uma vez, demonstramos às empresas nacionais para mostrar o que são capazes de fazer e de que as parcerias estão à procura.

 

Conferência Empresarial Renováveis ​​em Moçambique | Foto: AMER

 

M: Quais são as principais preocupações das empresas nesse setor em disputa, será que se retomarão na questão de financiamentos ou conhecimento de procedimentos para obter esses financiamentos?

RP: Ao contrário de outros setores em que talvez os problemas sejam muito específicos, dependendo do tamanho da empresa e da tecnologia, nas energias renováveis ​​os problemas e os desafios ainda são transversais e muitos deles se equiparam a qualquer outra indústria. As empresas queixam-se da capacidade de mão de obra, neste momento existe um número limitado de pessoas capacitadas, não falo apenas de engenheiros e doutores das energias renováveis, falo também da especialidade da soldadura de um painel solar, que é especializado; mas também da parte elétrica de todas as energias renováveis, seja de uma central elétrica, seja de uma central eólica. A questão dos incentivos ficais, no nosso Código Fiscal existe uma autorização, mas são apenas alguns produtos que estão sujeitos. Os equipamentos para energia fora da rede continuam a não estar isentos de taxas aduaneiras na importação e no IVA, e isso passa sempre para o consumidor final que por norma são as pessoas do meio rural, a população mais pobre deste país. Outra preocupação é que vejamos com o desaparecimento das subvenções normalmente dados por doadores e países parceiros devido às questões geopolíticas que temos vivido nos últimos anos incluindo a pandemia e os conflitos. Outro fator importante é a ausência de certificação, o que constitui uma das maiores ameaças para este setor. Se alguém usa um painel solar ou uma turbina eólica que não é certificada, a probabilidade de ela falhar é muito alta, mas uma pessoa que está usando não vai associar ao produto ou a uma marca, mas, sim, a tecnologia no seu geral, desta forma desacreditando toda uma tecnologia e fonte que estamos tentando promover. Há no mercado uma grande quantidade de produtos não certificados e de má qualidade que acabam por desacreditar a tecnologia.

 

M: A emergência climática e tendo em conta os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS.7), constitui uma oportunidade para a aposta nas energias renováveis?

RP: Nas energias renováveis ​​alcançamos grandes avanços e inovação. Desde aplicações de inteligência artificial na eficiência energética, a novas fontes como o hidrogénio ( azul e verde), entre outros. A eficiência dos painéis solares e dos aerogeradores é cada vez maior. Durante muito tempo o argumento era de que são muito caros, não estão em paridade de custo, mas agora isso não é verdade, existe uma paridade entre as energias renováveis ​​e os combustíveis eram a nível mundial. Na componente tecnológica existe um avanço significativo na eficiência das energias renováveis ​​e se formos um conversor para as energias renováveis ​​todo o investimento que presentemente está a ser feito em outros tipos de energias, eu acredito que como planeta, estaríamos numa opção feliz, sendo que é a única opção que temos.

 

M: Voltando à questão de financiamento e tendo em conta os elevados custos de investimento, o ambiente interno permite soluções sustentáveis?

RP: Este setor, provavelmente é o que tem mais dinheiro disponível. Só em Moçambique, em 2023, falamos de uma disponibilidade de investimentos e subvenções em cerca de 306,5 milhões de euros, portanto é muito dinheiro que está a ser investido em Moçambique, através de vários programas. As energias renováveis ​​exigem um investimento alto no início, mas depois é amortizado ao longo dos anos. Se falarmos de forma teórica para um projeto de grande escala será sempre necessário investir nos equipamentos e infraestruturas logo no início, o chamado CAPEX. Após este investimento inicial elevado fica-se sem investir mais nada ao longo da vida do projeto que ronda entre os 15 a 20 anos, excluindo os custos operacionais (OPEX) e a manutenção que deve ser feita regularmente. Em media o investimento pode ser reavido em 7 ou 8 anos tendo em conta que o restante do tempo o custo da energia seria quase nulo e quem não fez o investimento tem que lidar com a inflação, com tarifas que vão aumentar e com o custo de outras fontes que também aumentarão. Portanto depois que as contas são feitas, saem mais baratas do que as energias renováveis. Isto também se aplica ao nível do consumidor, e às pessoas que vivem nas zonas mais remotas que também não tem disponibilidade para pagar valores elevados por equipamentos e, portanto, as empresas oferecem o serviço num modelo de “pay-as-you-go” – PAY-GO bastante consumidor apenas paga mediante o seu consumo ou por vezes ate mediante a sua capacidade de pagar.

 

M: Onde estão localizadas grandes partes das empresas e quem se beneficia dos serviços? Olhando para o mapa de Moçambique, os serviços ligados às energias renováveis ​​estariam mais nas cidades ou nas zonas rurais?

RP: Temos empresas como a Central Solar de Mocuba, a Central Solar de Metoro, a Central Solar de Cuamba, que são grandes centros que estão no centro e norte do país e que injectam directamente na rede. Então podemos dizer que muitos dos clientes da EDM que vivem nessas zonas ao ligar a sua luz em casa, estão a receber e energia de fonte renovável porque aquela entra na rede directamente. As empresas que oferecem serviços para clientes fora da rede, sendo estes os sistemas solares caseiros e soluções de cozinha limpa tendem a estar espalhados por todo o país.

 

“Não há desenvolvimento sem sustentabilidade”, defende Ricardo Pereira | Foto: EQ/Mozavibe

 

M: Vai estar presente na COP28, que agenda leva para esse evento?

RP: A agenda principal é absorver o máximo possível e fazer as nossas redes de networking, porque percebemos que estas conferências são importantes e momentos chaves em que os países podem falar uns com os outros, o que pouco acontece na atualidade. Começamos, de fato, um debatedor de maneira séria a urgência de alavancar o financiamento. Há uma questão de financiamento para países que serão impactados pelas mudanças climáticas. Moçambique provavelmente está em cima, por causa dos ciclones e por aí fora. Temos o direito de ser compensados ​​e ter acesso ao financiamento climático que nos permite aumentar a nossa resiliência face a isso. Portanto, enquanto Associação da Energias Renováveis, queremos compreender como funcionam esses mecanismos, porque sabemos que são as empresas do setor privado que vão implementar muitas dessas medidas de mitigação e resiliência. Queremos também representar Moçambique como um país que está a levar esta causa a sério. Queremos reter o máximo possível e trazer isso de volta para casa porque é isso que estas conferências fazem, abre-nos o mundo para certas oportunidades e permitir que Moçambique seja visto como um país que não está a dormir, um país que tem a consciência da urgência de resolver estas questões ou pelo menos de nos prepararmos para o que aí vem.

 

M: É possível falarmos de desenvolvimento sustentável sem mudarmos a forma atual de ser e de estar em relação ao meio ambiente?

RP: A ideia de desenvolvimento passa por mudarmos os hábitos instalados e por práticas sustentáveis. Não há desenvolvimento sem sustentabilidade. Temos, como humanos, a dificuldade de pensar num futuro longínquo e focar apenas no amanhã. Fazemos parte de todo um sistema mundial que encorajou o consumismo, que encorajou tudo o que vai contra o viver de um modo sustentável. Também percebo que a sustentabilidade é difícil de alcançar para quem vive em países rodeados de serviços e não necessariamente de recursos. Os países têm o que comprar e que não produzem, e precisam fornecer serviços aos seus cidadãos como aquecimento, mobilidade etc. O mundo está a ir para os extremos e isso vemos, a política vai para extremos, o clima está a ir para os extremos extremos, a desigualdade social vai para os extremos. Mas o que de fato vai acontecer é que os recursos naturais são provavelmente os mais valiosos e nós que fomos durante muito tempo chamados subdesenvolvidos vamos passar para frente, porque somos nós que e a nossa população que detém o conhecimento da natureza, que vai saber como buscar de forma sustentável, como não depende de produtos e materiais importados, mas que são produzidos localmente e como viver com aquilo que nós temos. Se existe alguém que sabe viver com aquilo que tem, são os hoje em dia são chamados "os pobres do mundo", mas que estão de facto os únicos a viver de forma sustentável. Não gosto de ser um pessimista, mas acho que vai haver cada vez mais o individualismo, entre pessoas e países, o que é mau para a sustentabilidade porque é preciso que haja colaboração para isto funcionar. Espero que a nossa participação nestes fóruns internacionais possa nos inspirar. Contrariar a narrativa de que os problemas vêm de fora. Eles vêm de dentro e um jovem ou uma criança moçambicana que hoje olha para os seus pais, para os seus avôs nas zonas rurais a viver de forma sustentável mas pense "eu quero ir para a cidade porque lá e que estamos bem" rapidamente percebeu que num futuro próximo será equivocado. Temos de mudar isto porque são esses pais e esses avôs nas zonas rurais que estão a viver de maneira sustentável e que tem um conhecimento que se calhar não está escrito, mas precisa ser passado. e valor a esse conhecimento pois nele pode estar a solução dos nossos problemas. Tal como o velho ditado diz “as histórias se repetem, mudam apenas os personagens.”

 

Por Eduardo Quive