Aline Munezero: “Quero um mundo onde as mulheres conhecem o seu corpo”

Formada em Medicina, Aline Munezero prossegue os esudos superiores no Brasil | Foto: Dr.

 

Hoje, viajamos para o Brasil para conhecer a incrível trajetória de Aline Munezero, uma moçambicana que usou seus conhecimentos, pesquisas, paixão e habilidades para contribuir para um mundo onde as mulheres têm acesso a informações que lhes permitem conhecer seu corpo, seus direitos e tomem decisões corretas, baseadas na ciência.

Numa entrevista cheia de inspiração, a nossa convidada conta-nos detalhes sobre a sua vida, percurso académico e profissional e os planos que tem para o futuro.

 

M: De uma forma resumida, quem é a Aline?

AM : Sou Aline Munezero, tenho 28 anos de idade, médica, cristã, sou mestra em Ciências da Saúde e doutoranda em Tocoginecologia, pela Universidade Estadual de Campinas, no Brasil.

Considero-me uma menina alegre, resiliente, persistente, determinada e empreendedora. Faço parte do grupo de mulheres africanas que tiveram a oportunidade de frequentar o ensino superior, e a pós-graduação.

 

M: Fala-nos um pouco do seu percurso acadêmico e como é que chaga ao Brasil?

AM: Durante a formação médica, tive a oportunidade de participar de intercâmbio internacional por 11 meses em duas das universidades da América Latina, a Universidade de São Paulo e a melhor Universidade Estadual de Campinas. A participação do intercâmbio proporcionou-me uma significativa experiência profissional, acadêmica e cultural. Igualmente, serviu de impulso para continuar a acreditar nas minhas capacidades intelectuais e que, tendo fé em Deus, perseverança, força e vontade, é possível alcançar qualquer objectivo que estabeleço na minha caminhada. E, nesse percurso escolar, apaixonei-me pela saúde materna e perinatal, por conseguinte, decidir abraçar essa causa nobre. Considerando que abraçar o propósito não era suficiente, percebi que comecei a ter ou adquirir conhecimentos técnicos e científicos na área da saúde materna e perinatal e direitos humanos, para melhor servir nessa área.

Quando terminei a licenciatura, participei de um programa social, na província de Nampula, a Girl Move, e me formei em CHANGE na Área de Liderança e Empreendedorismo Social. O programa tinha três módulos: Liderar a UE; Liderar com os Outros; Transformar o Mundo. Com o objetivo de fazer parte da transformação para um mundo melhor e principalmente para mulheres e crianças, grupos extremamente vulneráveis.

Igualmente, olhando para a realidade de Moçambique, de acordo com o último inquérito demográfico de saúde (IDS), realizado em 2011, a mortalidade na infância mais elevada ocorre nas crianças nascidas em intervalos de menos de 24 meses, cerca de 59 óbitos por 1000 nascimentos. Estima-se que uma mulher moçambicana com uma fecundidade média tem o risco de 0.024 de morrer devido a causa obstétrica durante toda a sua vida procriativa. No período em análise, o rácio de mortalidade materna foi de 408 óbitos por causa materna por cada 100,000 crianças nascidas vivas. Optei em concorrer para uma vaga de Mestrado e Doutorado, em programa de Pós-graduação que corresponde aos meus anseios e uma das demandas de saúde pública mundial e de Moçambique em particular - a redução da mortalidade materna e a promoção de uma experiência positiva as mulheres durante a gestação, parto e período pós-parto. E um programa de Pós-graduação em Tocoginecologia da UNICAMP, melhor se adequa aos objectivos que tracei. Deste modo, ingressei no mestrado nesta universidade e com o apoio (bolsa) do HUB da OMS para América Latina e África Lusófona - CEMICAMP concluí o curso a 29 de junho de 2023, com a dissertação intitulada "CONHECIMENTO E PERCEPÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS NA GESTAÇÃO: UM ESTUDO DE CORTE TRANSVERSAL E MULTICÊNTRICO COM PUÉRPERAS BRASILEIRAS" Sob a orientação dos Prof. Dr. Renato Teixeira Souza e coorientação do Prof. Dr. José Guilherme Cecatti. De seguida, ingressei para o doutorado no mesmo programa de pós-graduação, porque desejava obter mais ferramentas técnico-científicas.

 

M: Como é ser uma moçambicana no Brasil?  Sentes que tens espaço para crescer e desenvolver as tuas pesquisas?

AM: UNICAMP/BRASIL, é um campo fértil para crescimento e desenvolvimento na área de pesquisa, aqui me a vejo crescer como pesquisadora.

 

M: Hoje, dedicas o teu tempo a aprender e a ensinar sobre genecologia e obstetrícia. Como é que te interessas por tais temas? Uma necessidade ou uma paixão?

AM: Actualmente dedico o meu tempo a aprender e a partilhar informações sobre ginecologia e obstetrícia, eu diria que é uma combinação entre a paixão e a necessidade. Quero ver um mundo onde as mulheres conhecem o seu corpo, conhecem os seus direitos e tomem decisões corretas baseadas nesses conhecimentos ou embasamento científico.

 

M: Temos acompanhado o seu trabalho e o seu contributo na partilha de informações sobre a saúde sexual e reprodutiva. Como é que surge a iniciativa de usar as redes sociais para disseminar estes assuntos?

AM: Quando ingressei para o mestrado surgiu a ideia de criar uma página, de educação para saúde, “ Medicinewithaline ”, para ajudar e compartilhar informações, conteúdos de saúde sexual e reprodutiva e um pouco da minha rotina diária como pesquisadora. Igualmente, compartilhe informações seguras e cientificamente comprovadas, de modo a desmistificar temas relacionados à saúde sexual e reprodutiva. 

 

M: Acredita que a sua mensagem chegou ao seu público e gerou o impacto que deseja?

AM: Creio que as informações que parte têm muitas mulheres, recebi várias questões relacionadas à saúde sexual e reprodutiva. No entanto, vejo que ainda há muitas lacunas ou déficit de informações básicas. Entre várias, há uma mensagem que me impactou muito, “o que era hímen”, porque uma menina de seus mais menos de 16 anos não tinha conhecimento sobre os tipos de hímen, com acesso à internet? Isso mostra que a nossa menina não teve informações corretas, não conhece o seu próprio corpo. Apesar da mensagem ser difundida, sinto que podemos fazer mais por essas meninas e mulheres.

 

M: Podemos falar-nos do aplicativo que pretende desenvolver?

AM: Associada à página da rede social, durante o mestrado teve a ideia de desenvolver um aplicativo de saúde, com recurso de inteligência artificial para ajudar adolescentes e mulheres durante todo o período reprodutivo. O aplicativo foi idealizado para conectar mulheres que muitas vezes têm dificuldade em acessar informações confiáveis ​​sobre sua saúde sexual e reprodutiva e, principalmente, a contracepção. Através do aplicativo abordaremos temas como mudanças corporais na adolescência, prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada, prevenção de violência sexual, vivências da sexualidade de forma segura, questões relacionadas ao gênero e sexualidade. Na sociedade moçambicana e africana no geral os temas sobre saúde reprodutiva ainda são considerados tabus, fazendo com que algumas questões não sejam levantadas ou preocupantes sem resposta. Em nossa comunidade, teremos o poder de promover investigações abertas, eliminar estigmas e ajudar as mulheres a receber o apoio de pessoas com opiniões diversas. Gostaria muito de implementar esse projeto em Moçambique, desconheço iniciativas ou organizações que pudessem financiar um projeto desse tamanho em Moçambique, mas tenho fé que um dia iremos implementá-lo na íntegra em solo solo.

 

M: E para finalizar: ainda existe espaço para Moçambique na sua vida?

AM: Para finalizar queria dizer que um bom filho sempre volta para casa, então ainda existe espaço para Moçambique na minha vida, meus familiares todos estão lá, volto sim (risos)!

 

Por Cláudia Sainda