"Não falamos mal. Falamos o nosso português"

A imposição da norma-padrão do português europeu nas escolas marginaliza as variantes locais e perpetua a ideia de que há um “português certo” e um “errado”

Foto: Freepik

Apesar de ser o idioma oficial, a língua portuguesa continua a funcionar, para a maioria dos moçambicanos, como uma segunda língua. Apenas 47% dos cerca de 28 milhões de habitantes compreendem o português, e nem todos o dominam por completo.

Este dado foi destacado por alguns académicos moçambicanos durante as celebrações do Dia Mundial da Língua Portuguesa, 5 de Maio, que serviu de mote para uma reflexão profunda sobre o papel do português num país multilingue como Moçambique.

A Universidade Save promoveu um debate sob o tema “Descolonização da Língua Portuguesa em Moçambique: desafios e perspectivas”, reunindo os académicos Ermelinda Mapasse, Brain Tachiua e Francelino Wilson, com moderação de Óscar Daniel. A discussão centrou-se na necessidade de repensar a forma como o português é ensinado, falado e valorizado no contexto nacional.

Ermelinda Mapasse, da Universidade Rovuma, destacou que o português em Moçambique não é uniforme, mas fortemente marcado pelas línguas bantu locais. Expressões como “tio”, usada como forma de respeito, demonstram a apropriação cultural da língua. Contudo, a imposição da norma-padrão do português europeu nas escolas marginaliza as variantes locais e perpetua a ideia de que há um “português certo” e um “errado”. “Não falamos mal. Falamos o nosso português”, defende Mapasse, apelando à valorização de uma abordagem inclusiva e descolonizada.

Brain Tachiua, da Universidade Licungo, reforçou que a língua portuguesa moçambicana encontra expressão autêntica na literatura nacional, refletindo a diversidade e riqueza cultural do país. “É na diversidade que a língua ganha beleza”, afirmou.

Francelino Wilson, da Universidade Púnguè, salientou que o português falado em Moçambique deve ser reconhecido como uma variedade legítima e rica. Criticou o preconceito associado ao chamado “pretuguês” e defendeu uma visão pluricêntrica da língua, ajustada à realidade dos países lusófonos.

A reflexão aponta para a urgência de reformar os currículos escolares, promover as variedades locais e combater os estigmas linguísticos herdados do colonialismo. A descolonização do português em Moçambique não é apenas uma necessidade pedagógica, mas também uma afirmação cultural e estratégica num mundo cada vez mais atento à pluralidade das vozes.

(Por Lucas Muaga)