Quanto custa formar leitores?

Desde a sua criação a Kulemba aposta na formação de leitores | Foto: Kulemba

Quando se fala da actividade literária em Moçambique, a Associação Kulemba é incontornável. Um exemplo de como pode se “investir” nos consumidores dos produtos culturais a longo prazo e que já começa a dar frutos. Dany Wambire é o presidente dessa importante agremiação, baseada na Beira, e revela-nos o percurso rumo ao sonho de um país onde os livros possam ter milhares de leitores e assim possa se estabelecer uma indústria do livro sustentável.

Podemos começar pelos tempos recentes e pelo que levou ao grande público à escala nacional o trabalho desenvolvimento pela Associação Literária Kulemba, agremiação iminentemente literária fundada na Beira, em 2015, com o objectivo de formar leitores e promover o livro em Moçambique. Em 2023 a Kulemba instituiu passou a organizar e atribuir aos escritores moçambicanos dois importantes prémios literários. O Prémio Nacional de Literatura Infanto-Juvenil, voltado para livros para escritos para o público mais novo e o Prémio Literário Mia Couto, para o melhor livro do ano, nas categorias de Poesia e da Prosa (Romance e Conto, alternadamente).

Ambos os prémios que são únicos na ideia de atribuir-se à melhor obra literária publicada no ano anterior, já tiveram os primeiros vencedores e estão avaliados, no total, em 900 mil meticais. Uma guinada no valor que se dá à literatura e, talvez, mostre com acção que a curto prazo é possível fazer um movimento pela massificação da leitura e maior promoção aos autores e respectivas obras.

Já agora, o primeiro prémio para o melhor livro de literatura infanto-juvenil foi atribuído à obra “Os pintos de sonhos”, do escritor Carlos dos Santos. Quanto ao Prémio Literário Mia Couto, os vencedores foram os livros “Pétalas negras ou a sombra do inanimado” (poesia), de Belmiro Mouzinho e “No Verso da Cicatriz” (romance), de Bento Baloi.

Antes, a Associação Literária Kulemba passou a organizar importantes eventos na cena cultural da província de Sofala e que rapidamente tiveram repercussões nacionais. Os concurso que culminavam com a publicação de livros nas diferentes faixas etárias, com novos autores; o Festival do Livro Infantil da Kulemba (FLIK), que acontece sempre no mês de Junho, com participação nacionais e internacionais e a Feira do Livro da Beira (FLIB), que movimenta diferentes públicos, com lançamentos de livros, conversas com escritores importantes de Moçambique e de outros países, com destaque para Portugal, concursos e oficinas, entre outras actividades.

Todas estas actividades, nos levam a querer perceber como começa a Kulemba, quais são os seus objectivos, como tem feito para o alcance da sua principal missão que se assenta na massificação da leitura.

A história que nos conta na primeira pessoa, o também escritor Dany Wambire, começa com ele próprio, com o sonho de ser escritor e a publicação do seu primeiro livro que foi uma ousadia que podia levar-lhe ao abismo e os seus alunos, na Escola Primária Completa de Matacuane. Sim, o homem que entrevistamos, um incansável e irreverente activista literário, foi professor primário e decidiu inovar a partir daí.

 

Mozavibe (M): Qual era visão na criação da Kulemba e quais foram os passos iniciais da sua fundação?

Dany Wambire (D.W): Para uma pessoa que passou o tempo escrevendo, talvez fazer uma associação fosse uma brincadeira saudável para passar os tempos livres. Isso talvez explique o surgimento da associação. A outra razão é que nessa altura depois de ter publicado meu primeiro livro, em 2014, cuja publicação foi à custo de um empréstimo bancário, tive a necessidade de reaver esse dinheiro. E para reavê-lo vi-me forçado a fazer um conjunto de coisas que não tinha feito antes. Vender livros na rua, vender para os colegas da escola e, durante esse processo, ter respostas negativas, ver pessoas que não podiam e não tinham interesse em comprar livros. Para mim isso foi um choque. Escrever e, mais do que escrever, tinha uma obrigação de pagar um empréstimo feito ao banco, entretanto as pessoas não estavam a comprar o livro. Nessa altura, a coisa imediata, que se calhar tem sido esse espírito que me conduz, foi achar que precisava de esquecer uma geração [adultos] e fazer um trabalho com uma geração mais nova para que, talvez, dali a cinco, dez anos, pudesse ter pessoas que comprassem livros com alguma facilidade. Foi isso que me moveu para fazer as primeiras oficinas de leitura.”

 

M: E como foi esse processo, já tinha, nessa altura, a ideia de para onde chegar com essas actividades?

D.W: A minha visão sempre foi conduzida sobre a necessidade de resolver problemas muito específicos. Não era para resolver problemas grandes, mas o que eu enfrentava no meio do caminho, o activismo é uma coisa permanente. Então tivemos as oficinas de leitura, para resolver os problemas da venda de livros, porque não conseguia vender os livros, mas depois isso levou as crianças a ganhar o gosto e também a sociedade que não tinha despertado o interesse sobre a beleza da literatura, que ela podia ser feita de diferentes formas, a declamação de poesia, encenação de contos, coisas que as crianças passaram a fazer e apresentar em espaços públicos da cidade, incluindo hotéis. Depois da primeira turma de mediação de leitura, que durou três meses, passamos a ter crianças a serem chamadas para tudo quanto fosse cerimónia pública, porque achavam que as crianças estavam a fazer coisas diferentes. Isso fez com que as atraíssemos mais simpatia das pessoas e acharem que a literatura tinha espaço para outras coisas que eles olhavam com desdém.”

Por Eduardo Quive